Memórias de Sousa Martins*

O médico

Fez da sua profissão um sacerdócio e da sua ciência um apostolado. Exerceu uma e propagou outra com o desinteresse e fé acrisolada dum crente; ninguém o ultrapassou e raros o igualaram no humanitário interesse com que ministrava a todos os que a ele recorriam os inexauríveis tesouros do seu saber e da sua bondade modesta, espontânea e simples.

[D. ANTÓNIO DE LENCASTRE]

O professor

A sua missão no professorado, desempenhou-a larga e proficuamente. A maneira por que sintetizou os factos dispersos, os teoremas sobre eles firmados e os corolários destes derivados foi maravilhosa. Nunca um estudante precisou de recorrer a livros para tirar dúvidas que ele deixasse. Nunca um discípulo saiu da lição terminada que não fosse desejoso da prelecção seguinte.

[M. BENTO DE SOUSA]

O génio

Sousa Mantins, nascido em berço humilde, foi, nos domínios da inteligência, mais do que uma aristocracia, foi uma realeza; porque foi mais do que um talento, foi um génio.

[TEIXEIRA LOBO]

O orador

Tudo lhe saía em borbotôes de uma palavra sonora e segura, que parecia desprender-se do orador para correr por sua conta, sendo ele o primeiro que o reconhecia e às vezes o temia, qualificando-a de indomável.

[M. BENTO DE SOUSA]

O lutador

Muitos o admiraram na arena científica lutando contra a loucura hoje, contra a tuberculose amanhã, contra os contágios e epidemias sempre. Com o seu corpo magro, a face doentia e óssea, a juba crespa, a sobrecasaca mal abotoada, as pemas pouco sólidas, gesticulando, saindo-lhe dos lábios grossos períodos e argumentos que rugiam como as ondas do mar, atirava-se ao assunto com o ímpeto e o destemor dos guerreiros antigos.

[TEIXEIRA DE QUEIROZ]

O metódico

Metódico e pontual até ao exagero, Sousa Martins tinha tempo para tudo, e sempre a horas certas. Os seus vizinhos podiam acertar os relógios verificando o momento em que ele saía de casa.

[ALFREDO LUÍS LOPES]

O improvisador

Foi um improvisador inexgotável, um repentista de primeira ordem. Os seus melhores amigos confessavam que nunca o apreciavam tanto como quando ele tinha de discutir inesperadamente qualquer assunto.

[SOUSA VITERBO]

O humilde

Quando voltou de Veneza e os médicos de Lisboa lhe deram uma festa em sinal do seu muito apreço, a todos abalou a maneira por que se enterneceu e mostrou que de si julgava não ser homem para tanto apreço.

[M. BENTO DE SOUSA]

O patriota

Foi Sousa Martins, entre os portugueses do seu tempo, dos mais estremes amantes do seu torrão natal. Patriota sublime, cujo coração sangrava ao ver o pendor para onde fatidicamente iam impelindo o seu malfadado país e cuja alma se embriagava do entusiasmo mais puro e santo quando vislumbrava ensejo para maior nobilitação ou engrandecimento da sua estremecida pátria.

[JOSÉ DE FREITAS RIBEIRO]

A consagração no estrangeiro

Como português de lei e cidadão prestante, nunca deixou de bem servir o País, sempre que a sua cooperação foi solicitada, e foi ainda em obediência a esta correctíssima norma que aceitou o encargo de ir representar Portugal no Congresso Sanitário de Veneza, onde, com subida honra para ele e para a Nação, lhe foi conferido o cargo de vice--presidente e, mais uma vez, foi prestada por sábios estrangeiros merecida homenagem ao seu robusto talento e grande erudição.

[JOÃO JACINTO DA SILVA CORRÊA]

O primeiro

De Sousa Martins poderia dizer-se que foi destino o ser, na sua esfera e no seu tempo, o primeiro em tudo. Nos bancos escolares, o primeiro estudante. Nos concursos, o primeiro candidato. No ensino, o primeiro professor. Na discussão, o primeiro orador. E até na sua morte se cumpriu a sina, pois que, acontecida no período funesto em que outros morreram, que também foram grandes médicos e grandes mestres, foi ele de todos o mais chorado.

[M. BENTO DE SOUSA]

A dedicação aos doentes

[...] este grande e caritativo médico viveu para os outros e [...] para salvar ou aliviar os que sofriam, sacrificou o seu repouso, o seu intercsse pessoal, as comodidades e os prazeres da vida, a saúde e até a própria existência, trabalhando dia e noite até à fadiga e com a completa abnegação.

[JOÃO JACINTO DA SILVA CORRÊA]

A família

Só quem souber o que ele era na família, o que para a família foi sempre, poderá deitar a conta aos tesouros de bondade, aos extremos de dedicação, que o seu coração despendia.

[FERREIRA LOBO]

Os amigos

Os «amigos» representaram muito na vida de Martins. Não entendia ele, afectuoso por natureza, amizade sem culto, e a sua liturgia ocupava-lhe parte notável e a mais apreciada do seu tempo.

[D. ANTÓNIO DE LENCASTRE]

Os colegas

A sua maneira de referir-se aos colegas era sempre nobre e leal. Nunca permitiu, podendo evitá-lo, que se fizesse uma injustiça a ninguém, e principalmente àqueles que não amava. Ninguém podia contar com ele para colaborador de uma cousa iníqua...

[MARIA AMÁLIA VAZ DE CARVALHO]

Os pobres

[...] nunca recusava um doente pobrezinho que a gente lhe impingisse! Visitava-o com a frequência com que visitava os ricos, ou talvez mais; e, quando percebia que em casa não havia dinheiro nem para aviar as receitas, nem para fazer os caldos, lá deixava em cima do miserável travesseiro com que satisfazer ambas as despesas.

[MARIA AMÁLIA VAZ DE CARVALHO]

O bem-amado

Sousa Martins era querido de todas as classes da sociedade portuguesa, [...] credor único das suas atenções, viam nele o cidadão irrepreensível. Os inteligentes estimavam-no, porque era inteligentíssimo; para os que, por índole artística, admiram o belo, era admirável o orador; para os que, por inclinação científica, amam o saber, era amável o sabedor. Os humildes queriam-lhe deveras, porque fazia bem a todos larga e prontamente, sem reparos nem cerceios. Os seus pares veneravam-no, porque a primazia a que o alçavam só lhe servia a ele para mais de cima mostrar a todos, e em si, um acabado modelo da confraternidade. Os seus discípulos adoravam-no, porque viam nele, enlaçados num divinal amplexo, os dotes científicos, artísticos e pessoais, que tão raro se abraçam para realizar a ideal entidade do mestre perfeito.

[M. BENTO DE SOUSA]

A alma firme e enérgica

Havia no seu carácter a independência do homem que estima a sua dignidade pessoal e se toma a serio a si e à sua profissão, independência só própria duma alma dotada de tanta firmeza e capaz de tanta energia.

[FERREIRA LOBO]

A lenda

Une intelligence originale et ardente, un vaste savoir, un jugement impeccable ne font pas un homme légendaire. Si la légende s'empare du nom de Sousa Martins, c'est qu'il a su se faire aimer des humbles, qui ont reconnu en lui un des leurs. 11 était des leurs par la naissance, et maintenant ils le revendiquent; il est leur élu.

[E. BRISSAUD]

Como Jesus

Sousa Martins, como Jesus, teria tido uma lenda servindo de base a uma religião infinitamente tolerante e idealista. Como Jesus, até teve ele Madalenas que remir, Judas que o vendiam e discípulos amados que, mesmo sem têmpera de evangelistas, se fariam matar a um gesto da sua mão de tísico e de mártir.

[FIALHO DE ALMEIDA]

O taumaturgo

Certas criaturas, com um gesto, uma voz, um olhar, determinam correntes, abalos magnéticos de simpatia ou de heroismo. Em Sousa Martins houve esse dom de taumaturgo. O dom de levar aos corações o ritmo ardente e juvenil do seu coração prodigioso.

[GUERRA JUNQUEIRO]

O apóstolo vidente

[...J não conspurquem a eloquência de Sousa Martins, homem dc ciência e filantropo, entre a dos charlatães que por aí vivem de falar, A dele é outra. É o resultado do fogo da sua alma de apóstolo vidente, é a torrente da sua ideação robusta de profundos estudos, de consciências metódicas, de preocupações educativas, de Supremacias artísticas, de cogitações transcendentais.

[FlALHO DE ALMEIDA]

* Depoimentos extraídos de Sousa Martins (In Memoriam), Lisboa, 1904.

 

BIOGRAFIA SOUSA MARTINS

VOLTAR Á PÁGINA PRINCIPAL

A Minha Casinha

FIGURAS ILUSTRES